sequelas

quarta-feira, 1 de agosto de 2012


4.3 O AQUÁRIO GIGANTE E AS MALFADADAS SMS 


Telefonara à sua amiga J. para lhe dar conta de quão maravilhoso era estar a ouvir o mar no seu quarto de hotel enquanto escrevia e também porque lhe apetecia dizer-lhe que Z.M. tinha confirmado que vinha amanhã almoçar com ela. Durante a viagem já lhe tinha falado do Z. M, bem como de outros seres masculinos que na última semana tinham entrado na sua vida. Alguns, a maioria, não conhecia ainda pessoalmente e, muito provavelmente, nunca viria a conhecer. Aquele seu “texto de apresentação” que escrevera para o site Adultfriendfinder e que importara agora para o “Clube da Amizade” era de facto um sucesso. Tinha sido inundada de beijos e dedicatórias, mas também de mensagens, o que implica sempre um maior esforço e revela o grau de interesse dos que viram o perfil. Numa semana tinha recebido quase 60 mensagens. Algumas delas eram do Z. M., que ela tinha integrado na sua “lista de favoritos”. Tinham trocado os números de telemóvel e, em cada conversa, ela sentia crescer o interesse e a expectativa dele, um encontro era absolutamente inadiável e seria o começo certo de um romance sério que mudaria a vida dos dois. Era assim que o Z.M. colocava as coisas, antes mesmo de a conhecer. Quando ela lhe disse que ia sair de Lisboa e para onde ia passar uns dias, imediatamente ele retorquiu que isso era providencial pois ele morava ali perto e ia ter com ela. No telefonema seguinte ele confessou-lhe que a distância da sua casa ao sítio para onde ela ia era provavelmente a mesma do que a da casa dela a esse sítio, mas que o que importava era conhecê-la e como tinha a certeza de que o seu encontro ia dar certo, perguntou-lhe se não queria ir com ele, nessa mesma semana, a Salamanca. Isto tudo sem a conhecer.

No dia em que viajou, recebeu logo de manhã um sms a desejar-lhe uma boa viagem e estadia e a anunciar-lhe que lhe telefonaria mais tarde para acertarem os pormenores quanto à hora do encontro. Depois de ter contado à sua amiga J., em breves segundos – como é seu hábito, o telefonema do Z.M., esta pô-la ao corrente, longamente, como também é hábito dela, do estado das coisas quanto aos amores e desamores. Ela impacientava-se com a enfâse que J. punha nas minudências.







                






O P., com quem J. namorou duas semanas, o que é uma duração muito razoável para um relacionamento via net, tinha-lhe telefonado para lhe dizer que tinha comprado um aquário gigante e que a tinha convidado para ir ver o aquário. Desatou a rir, tão incontrolavelmente que J. a acompanhou nas gargalhadas. Aquilo de que J. precisava era de carinho, meiguices, atenção, como o P. soubera tão bem dar-lhe durante aquelas duas semanas, mas precisava também de sexo com o P. ou com outro que preenchesse os requisitos de J., bem mais selectivos, segundo esta, do que os dela. Já tinham discutido a problemática da selectividade e iriam, certamente, continuar a discuti-la. Mas o tópico agora era o aquário. Aconselhou J., no meio das gargalhadas que a sacudiam, a que aceitasse o convite e não perdesse a oportunidade de passar por uma experiência única, por certo irrepetível, a de fazer amor num aquário. P., por enquanto só tinha o contentor de vidro, iria no dia seguinte comprar a flora para o cenário e a fauna que o habitaria. Antes disso, ela devia aproveitar aquele leito tão inusitado e talvez valesse a pena telefonar a P., para que este não se precipitasse nas compras - a comprar alguma coisa imediatamente que se limitasse a comprar areia para compor o leito. Nada de pedras a imitar rochas subaquáticas que inviabilizassem a utilização daquela cama, nem de algas que só serviriam para fazer cócegas. Disse-lhe ainda que estivesse atenta à subida das águas, não fosse o P. accionar algum mecanismo que os levasse a ficar submersos. A risada era imensa, mas quando desligou ficou a pensar no simbolismo de uma morte assim. -----------Rilke. Uma morte transparente????? Pensar nisso







No dia seguinte preparou-se para receber o Z.M. Tinha alguma expectativa, gerada e alimentada pelas elevadas expectativas dele, Chegara-lhe dizer : “ou és tu aquela com quem vou partilhar a minha vida ou não procuro mais ninguém no “Clube”, acabo com isto de vez.” No sms dessa manhã insistia: “ pode ser que hoje seja o primeiro dia de uma grande mudança nas nossas vidas. Tenho muita esperança nisso.” Z.M chegou acompanhado de uma flor – um antúrio – que ela detestava, ou melhor, que não apreciava porque não detestava nenhuma flor, sentia sempre alguma comoção na presença de flores.



Era uma defensora convicta da utilização de flores artificiais, de plástico ou de outros materiais na decoração da casa ou de qualquer outro espaço. Até mesmo de flores secas, gostava especialmente destas, embora sentisse nela um rastro de culpa quando as comprava. As flores eram organismos tão delicados e belos que não deviam ser colhidas, deviam ser todas consideradas espécies em extinção e proibido o seu corte. Quando semeava flores secas pela casa, que ela própria recolhera no campo, na rua, eram flores já mortas, que iriam ter uma sobrevida ao emprestarem um pouco da sua beleza aos espaços onde eram colocadas. Às vezes até acompanhava o envelhecimento e morte desses organismos, como as inflorescência das palmeiras às quais estas cortavam a seiva e morriam sob a copa da matricida. Recolhi-as, limpava-as minuciosamente e às, vezes, pintava-as. Outras vezes eram galhos velhos, mortos há muito tempo, dos quais retirava os últimos vestígios de pele, poeirenta e encarquilhada, distribuindo depois os esqueletos por aqui e por ali em casa. Já lhe tinham dito que esta prática era atentatória das mais elementares regras do feng-shui, ter cadáveres em casa não augurava nada de bom. Quando comprava flores secas não se sentia tão à vontade, pensava sempre que podiam ter sido cortadas em vida só para alimentar a vontade de beleza de gente impaciente, como ela, incapaz de aguardar pela morte natural ou suficientemente indolente para se deslocar aos sítios onde elas habitam e contemplá-las aí em vida.

As flores de plástico eram consideradas pirosas e já muita gente lhe tinha chamado a atenção para o equívoco que constituía a presença desses ersatz na decoração da sua casa. Iria continuar a usar e a abusar das orquídeas de plástico na sua casa.

Em tempos, o seu marido saía por breves espaços de tempo, sempre à noite, e trazia-lhe flores frescas, acabadas de roubar nos quintais da vizinhança ou em jardins públicos. Apreciava a intenção mas manifestava sempre a sua discordância com o gesto carregado de morte que ele trazia para casa.

Voltando ao antúrio do Z.M., pediu ao empregado do hotel que o pusesse numa jarra no seu quarto e sentou-se em frente dele para o ver e para se dar a ver. Era o seu primeiro contacto físico.



Um rosto deste género...

Tinha na sua frente um rosto apergaminhado, seco ao sol como só os rostos dos pescadores e dos agricultores ficam. Z.M. era um agricultor mas a sua propriedade agrícola ficava a meia dúzia de kms do oceano. Nesse rosto sobressaíam uns olhos cinzentos esverdeados, infantis, onde havia lugar para a inocência…mas uma inocência que parecia cansada de si própria. Não era um rosto bonito, as arestas que, em tempos, deviam ter sido vivas e aguçadas tinham amolecido e transformaram-se em bossas, com a parte inferior do queixo recortada como uma chave inglesa. Alto e bem constituído Z.M. era um bom homem e se ele abrisse os braços a mulher que neles se aconchegasse devia ter a sensação de que tinha chegado a casa. Percebia-se que era um homem simples, mas não superficial, era um homem de sentimentos, habitado por muitas inércias que só se suspendiam quando falava da filha. Nesse encontro que se prolongou por todo o dia e parte da noite, a dor que sentia em relação à filha não o abandonou. Divorciado e com dois filhos já crescidos. Com o filho, mais novo do que a filha, tinha uma relação normal, encontrava-se com ele todos os domingos para jantar e Z.M. falava deste tempo que passava com o filho como um tempo sagrado, improfanável por qualquer acontecimento e muito menos por uma garridice como, por exemplo, um encontro amoroso. Compreendia agora completamente a razão de Z.M. , tão ansioso por conhecê-la, não ter vindo ter com ela no próprio dia em que chegou ao hotel.

A filha era a sua cruz, a chaga que não parava de sangrar. A filha “ não lhe ligava nenhuma”, e pior do que isso, ele não compreendia porquê. Esta interrogação alimentava todas as suas cogitações, parecia viver para compreender as razões deste agravo. Numa altura em que ele lhe contava como todas as aproximações que tentara tinham sido rechaçadas sem só nem piedade, recebeu um telefonema dos seus pais. Naturalmente perguntava-lhes se estavam bem e quis saber tudo o que estava agendado para a realização das análises médicas que iam fazer, se já estavam marcadas as consultas, quando saberiam os resultados das análises, etc. Quando desligou, Z.M interrogou-se: “O que é que os teus pais terão feito a mais do que eu fiz pela minha filha para tu lhes falares assim?”. E acrescentou:” Como eu seria feliz se a minha filha me falasse assim.”

Tudo quanto ele desejava era viver em paz e arranjar uma ligação permanente, uma companheira a quem ele devotadamente se dedicaria e ela não tinha dúvidas de que ele o faria, como bom homem que era. Ela era a sua última oportunidade, dizia ele.

Z.M. parecia apostado em resolver a sua vida amorosa naquele dia. Partia do princípio de que ela tinha tanta pressa como ele em resolver aquele assunto. Ela afirmava no seu perfil, que ele recordava a toda a hora, que procurava uma relação estável afectivamente e sexualmente, que não se queria casar nem sequer viver em conjunto diariamente, que era independente financeiramente. Ora, ele identificava-se com cada uma daquelas afirmações e o tempo que já passara a teclar com mulheres do “Clube”levavam-no a concluir que, finalmente, tinha encontrado a parceira certa. Logo, enquanto almoçavam, fez questão de a pôr a par do que tinha para lhe oferecer e de como ele imaginava a vida dos dois. Ele tinha toda a disponibilidade do mundo, com excepção dos domingos à tarde e à noite, dedicados ao filho. Ser-lhe-ia absolutamente fiel, e esperava o mesmo dela. A sua vida repartia-se entre a sua quinta ao pé do oceano e o seu monte alentejano. Não tinha muito dinheiro, tinha o suficiente para viver com qualidade e para a sua paixão onerosa: as corridas de touros. Viajava constantemente e, aqui, ela apurou o ouvido mas imediatamente a seguir praguejou para dentro, pois afinal as viagens incessantes do Z.M. correspondiam aos circuitos tauromáquicos, o que significava que ele conhecia a Espanha como a palma da sua mão. Não resistiu e perguntou-lhe se não podia alargar o seu périplo tauromáquico à América do Sul, pelo menos.

Ele viveria nos seus espaços, mas sempre que ela quisesse ele iria a Lisboa ter com ela e ela, nos fins de semana ou sempre que quisesse, seria a senhora da casa. Disse-lhe também que gostava muito que ela conhecesse a casa em que ele estava agora, a que ficava perto do seu hotel.

Ela retorquia vagamente que tinham acabado de se conhecer, que ele estava a ir muito depressa, que uma relação tinha de ser construída, não se oferecia de mão beijada, etc., mas simultaneamente pensava que aquela pressa conduziria também depressa a um desenlace sendo-lhe quase indiferente o tipo de desenlace. Deixou-se envolver pelas carícias de Z.M., beijou-o com entrega, insuflando-lhe a sensação de que estavam a entrar um dentro do outro fazendo apelo à memória do que sentia, quando sob o efeito do haxe, se unia num amplexo com Afonso ou com o Nuno. Os homens com quem tinha estado e aos quais conseguira comunicar aquela sensação, sempre tinham reagido imediatamente desejando-a sexualmente. O mesmo aconteceu com Z.M.

Depois de uma tarde passada à volta de praias e mais praias, por caminhos poeirentos e com frequentes enganos no trajecto, propôs que fossem então conhecer a tal casa. Tinha curiosidade em conhecer um dos espaços em que ela, se quisesse, seria a senhora da casa e tinha curiosidade em saber como seria o sexo com o Z.M.

No percurso para casa do Z.M. recebeu várias chamadas, algumas relativamente inócuas e outras que puseram o Z.M alerta. Quando desligou, ele disse-lhe a sorrir que lhe parecia ter vários concorrentes. Mesmo antes de entrarem em casa, ela viu que tinha uma chamada não atendida de Afonso. Nada no mundo a ia impedir de mandar imediatamente um sms ao Afonso, dando-lhe conta da pena que sentira por não ter ouvido a sua voz. Afonso telefonou-lhe, de imediato, e no olhar dela, tão expressivo como Z.M já tinha sublinhado, ele deve ter visto toda a intimidade que devia existir entre ela e o homem que lhe telefonava.

Depois de ele lhe ter mostrado a casa toda, e de ela ir fazendo exercícios de imaginação sobre como seria viver ali, sentaram-se no sofá, em frente da piscina, beijaram-se longamente e excitaram-se. Foram para a cama e ela sentia que Z.M não se conseguiria controlar por muito tempo, empenhou-se em que o sexo fosse muito bom para ele e ele veio-se demoradamente e abundantemente. Queria continuar a fazer sexo, preparava-se para o estimular novamente, quando o seu telemóvel começou a tocar quase ininterruptamente, uma sequência de chamadas altamente suspeita. Os seus interessados do “Clube”, e não só, a quem ela tinha dito que vinha passar uns dias para aquele sítio, desataram a telefonar-lhe. E alguns reiteravam o desejo de a vir visitar, naquele momento sentia esse desejo como uma ameaça à situação que estava a viver com o Z.M. Quando olhou para o Z.M. percebeu imediatamente que o desenlace já ocorrera. Ele cirandava por ali, já de cuecas vestidas e nos seus olhos infantis havia estupefacção e desesperança. Assomou nela um sentimento de culpa como se tivesse traído a confiança de alguém e disse-lhe isso mesmo. Sentia-se injustiçada por aquele olhar. Que culpa tinha ela que lhe telefonassem? Z.M. apenas lhe disse que percebia que não estavam na mesma fase, ela ainda transportava consigo um leque de possibilidades e a ele só lhe restava uma que parecia ter-se desvanecido também.

Teria sido melhor colocar o telemóvel em silêncio? Perguntou-lhe. Por um lado sim, respondeu-lhe ele, teria sido poupado à confirmação da existência de concorrentes, por outro lado não, sairia menos magoado porque a ilusão não perduraria. Ela calou-se, não teria sabido estruturar uma discordância.

Dois desses telefonemas eram de facto de concorrentes do Z.M., a manifestarem o seu interesse em visitá-la no seu refúgio de férias. De um deles não se lembrava nada, não sabia sequer quem era, tantos tinham sido os homens com quem teclara ou que lhe tinham mandado mensagens nos últimos dias. O outro era Paulo: o pequenino em altura, as outras medidas importantes ainda desconhecia…lol.

Já tinha saído com ele uma vez e tinha sido uma seca. Tinha um rosto agradável à vista mas bastante inexpressivo, correspondia, no perfil, a alguns dos requisitos que privilegiava: formação académica superior, gostava de letras, artes e ciência, não se lembrava se ele tinha respondido ao item da apetência sexual com uma das respostas preestabelecidas: “prefiro não responder”. Era o mais provável.

Tinha acedido a jantar com ele porque na altura não aparecera outro que lhe parecesse mais interessante a convidá-la, mas o pouco que tinham conversado levou-a a antecipar um convívio pouco estimulante, mesmo sonolento. Paulo tinha-lhe enviado uma mensagem, tratando-a por “estimada senhora” -

“Estimada Senhora (preferia escrever o s/ nome pessoal)

“Se acha que os m/ atributos interessam, pois muito agradeço e poderei estar disponivel p/ nos conhecermos melhor.
Podemos começar por este clube e a curto prazo podemos utilizar outros meios (telemóvel, messenger) ou até termos um encontro pessoal.
Gostaria q me falasse de si, do s/ trabalho, expectativas, família, enfim, o que queira.
P.
Um beijo.”

A pequenez em altura devia ter-lhe moldado a personalidade, destilava conhecimentos por todos os poros em relação ao que quer que fosse, desde a matéria em que era formado – algo relacionado com a gestão de sistemas, até aos seus conhecimentos de enologia, de nutrição em geral, matéria sobre a qual perorou bastante quando soube que ela andava a fazer dieta. Exibiu a sua mestria em trinchar o peixe que tinham mandado vir para os dois, pedindo uma faca qualificada para o efeito e chamando a atenção do empregado de mesa para esse facto. Era polido mas entediante, a sua conversa cheirava a azedo, não tinha frescura nem humor. O encontro acabou cordialmente com ele a perguntar-lhe se o encontro era para repetir e ela, mais uma vez, a ser incapaz de dizer não ao mesmo tempo que pensava se devia considerar a possibilidade de, no mínimo, fazer sexo com ele. Paulo era perseverante e nos dias que se seguiram foi mantendo o contacto, através de sms ou teclando com ela sempre que a apanhava online. Estas conversas só vieram confirmar a sua primeira e desfavorável impressão.

Acabou por lhe dizer que ia sair de Lisboa por uns dias e quando o informou do sítio, ele propôs-lhe ir visitá-la, “quando ela achasse adequado”, frase típica de um enfatuado como o Paulo era.

Quando chegou ao seu quarto, depois de Z.M. a ter depositado à porta do hotel, mandou um sms ao Paulo, dizendo-lhe que “sofria de melancolia, talvez causada pelo mar e, ele que desculpasse, mas não ia convidá-lo a visitá-la porque não lhe apetecia ver ninguém”.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

4.2  O CLUBE DA AMIZADE



Eram cinco horas da tarde, o dia já se escoara e os vestígios eram a fuligem e o suor de uma tarde demasiado quente. Em duas horas falara com mais de meia dúzia de pessoas, não se lembrava nem de metade dos nomes nem de nenhuma coisa interessante que tivesse sido dita, a não ser de uma conversa com o “hitita”no msn. Com excepção deste e do Jorge, muito mais de metade das pessoas com quem falara soubera da sua existência no dia anterior. É impressionante a velocidade e a volatilidade dos contactos que a net proporciona. Olhando para a lista dos contactos do msn, constatava que uma parte das pessoas tinha sido importada do “Clube da Amizade”. Este Clube é uma espécie de Adultfriend caseiro. Como continuava a não ter nenhuma fotografia de jeito, resolvera ficar no patamar inferior dos aderentes, isto é, não activar o que designam por “plano estrelas” que é pago consoante o número de estrelas por que se opta, aumentando as funcionalidades em função do maior número de estrelas que se compra.

Preenche-se um questionário enorme, fornecendo informações diversas, desde a altura, ao estado civil, aos passatempos preferidos, profissão, etc., de quem se regista que visa desenhar um perfil que se coloca no “mercado” para ser olhado e avaliado por quem procura e, também se preenchem outros itens através dos quais se esboça o perfil de quem se gostaria de encontrar. È um questionário onde perguntas relevantes e irrelevantes se misturam, onde há respostas preformatadas que, às vezes, obrigam a respostas idiotas e onde, como é habitual nestes sites de encontros, amizades, relacionamentos, etc., se podem dizer tantas mentiras quantas as que se quiserem.

Uma amostra:


Fotografias--------- só pode colocar quem tem plano com estrelas
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Apresentação pessoal ----------- só pode escrever um texto quem tem plano com estrelas
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Dados Básicos

Apelido :

Sexo :

Idade :

Orientação Sexual :

Tipo de Relação : (hipóteses: Relacionamento, Namoro, Sexual, Amizade, Casamento)

País :

Estado / Distrito :

Cidade :

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Características Pessoais

Estado Civil :
Altura :

Peso :

Tom de Pele :

Olhos :

Cabelos :

Considero-me : (várias hipóteses: interessante, sensual, charmoso, elegante, atraente…)

Aparência física : (hipóteses: em forma, Pouco acima do peso, muito acima do peso…reparem: nada acerca de magreza, mesmo a anorexia deve estar subsumida no “em forma”)

Visual (vestuário) : (hipóteses que nunca mais acabam)

Apetência sexual : (hipóteses: uma vez por semana, duas vezes, três vezes…até à hipótese: todos os dias)

Moradia : (hipóteses: sozinho, com família, etc.,)

Filhos hoje :

Filhos futuramente :

Renda mensal :

Orientação religiosa :

Formação académica :

Profissão :

Cargo :

Idiomas que domina :
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Hábitos e Preferências

Música :

Literatura :

Tv/Filmes :

Lazer :

Gastronomia :

Frequência com que sai :

Exercícios físicos :

Desporto :

Viagens :

Bebidas alcoólicas :

Tabaco :

Hobbies :

Animais de estimação :

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Depois o perfil do ser imaginário

Meu Parceiro(a) ou Amigo(a) ideal - também aqui só pode escrever um texto sobre o parceiro ideal quem tiver plano com estrelas

Como é a pessoa que procuro
Características

Distância :

Procuro :

Orientação sexual :

Idade :

Altura :

Peso :

Cor dos olhos :

Cabelos (cor) :

Cabelos (tipo) :

Cabelos (tamanho) :

Signo :

Bebidas alcoolicas :

Tabaco :

Orientação religiosa :

Formação académica :

Cargo :

Rendimento :

Aparência física :

Tom de pele :

Estado civil :

Moradia :

Filhos :

Filhos no futuro :



Há uma resposta preformatada para vários destes itens tontos que é “indiferente”, sem a qual seria difícil progredir ao longo do questionário. Relendo as respostas que dera tinha ficado desgostosa com o que acerca dela lera. Mentira na idade, tinha posto menos quatro anos, mas não lhe parecia grave, quando há pessoas que chegam a subtrair quase vinte anos à sua idade. Mentira no peso, claro, tinha posto menos 10 kg. Mas desagradava-lhe principalmente o facto de não poder escrever um pequeno texto de apresentação. Dos perfis que lia, muitas vezes o elemento decisivo para integrar a pessoa na categoria “os meus favoritos”, funcionalidade permitida aos que estão no patamar básico, era esse pequeno texto. Nessas linhas de apresentação há quem recorra a poemas, a provérbios, a “la palissadas”, mas ainda assim há alguma coisa do ser que escreve que aí assoma. É possível vislumbrar almas taciturnas, histerias sexuais, vidas enferrujadas, pieiras adenoidais, mas também, espíritos argutos, que assobiam como chaleiras a ferver, almas de arestas vivas, corpos sedentos de volúpia, e até pénis suculentos.

Numa semana de incrição neste Clube foram inúmeros os contactos estabelecidos, beijos, flores, e dedicatórias enviados, que já existem preformatados e de onde o sócio “estrelado” escolhe, mas também mensagens, algumas apenas para assinalar que se gostou do perfil, outras mais elaboradas que deixam entrever interesse em conhecer o destinatário da mensagem.


- “Olá,podemos marcar um encontro para tomar um café ou algo mais?.Fica então o meu contacto, ….”


-“Boa Noite ………..!!??

Li todas as suas pequenas msg's com a alegria e na expectativa de receber uma outra mais explicita ou convite para... jantar e vinho!!! Tenho curiosidade em descobrir a sagitariana(louca?) que gosta de pardais... e se esconde no anonimato (sem foto). A ousadia simpatica e persistente esclarece e diz ser mulher sensivel e perseverante naquilo que deseja. Agora só nos falta saber como o outro é em real. Aceite o convite para um gelado, uma bebida fresca e alguma conversa de descoberta mutua.Quando, como, onde (nem sei se mora na cidade)fica inteiramente ao seu critério. Sei que não vai temer este desafio. Agora sou eu que fico com a ansiedade da sua resposta.


Até breve,T.

Ps - tenho enorme curisodade em saber o porquê do seu nickname”.

- “Estimada Senhora (preferia escrever o s/ nome pessoal)
Se acha que os m/ atributos interessam, pois muito agradeço e poderei estar disponivel p/ nos conhecermos melhor.
Podemos começar por este clube e a curto prazo podemos utilizar outros meios (telemóvel, messenger) ou até termos um encontro pessoal.
Gostaria q me falasse de si, do s/ trabalho, expectativas, família, enfim, o que queira.
Um beijo.


P”.

- “Olá, tudo bem? Q.”

- Ola tenho 46 anos , gostava de iniciar contigo uma saudavel amizade.............aceitas?
tens
m
s
n
????
beijos” S.

- “.Preciso de 500€ pago com juros ou com prestação de serviços (Aquecimentos-Canalizações ) assunto sério. Bjos. N”

- “Permita que lhe deseje um Bom Dia e que coloque á sua consideração a possibilidade de contactar-mos já que penso podermos ter pontos de interesse comuns.
Um Beijo para Si. B”.



Como uma destas pessoas dizia, já ao telefone, os chats são um fenómeno a pedir um estudo sociológico. Ele próprio afirmava que o seu registo neste Clube tinha sido motivado por uma enorme curiosidade acerca deste fenómeno, e que, de um modo empírico, se dedicava ao estudo dos elementos que ia coligindo. Chamou-lhe a atenção, por exemplo, para a importância do factor “altura” na formação da decisão de se contactar ou não a outra pessoa. Hélas, não se referiu ao peso.

Meses depois, este senhor com quem tinha falado ao telefone, convidou-a para um chá ao fim da tarde. Era um alto quadro de uma instituição bancária, que estava sempre online no Clube. Aceitou porque tinha muita curiosidade em descobrir quem era aquele ser . Ela já estava sentada quando ele entrou e o seu olhar deve tê-la traído, um olhar que, à medida que ele se aproximava, indagava e confirmava os sinais que ele lhe tinha comunicado para tornar possível o seu reconhecimento. Ele já a interrogava sobre o grau de sucesso que o texto de apresentação de si própria, que ela colocara no Clube, tinha obtido e ela ainda estava surpreendida com o rosto dele, parecia ter menos 10 ou 15 anos do que a fotografia que ele colocara no Clube mostrava. Geralmente acontecia o contrário, o original era bem pior do que a fotografia e era com isso que se contava. Era como se estivesse a assistir à reconstituição de um rosto ao qual tinha de subtrair instantaneamente muitos anos. Lembrava-se daqueles filmes policiais em que para encontrar um fugitivo que anda desaparecido há muitos anos, se vão acrescentando traços de envelhecimento a um retrato dele quando jovem. Naquele instante ela procedia à operação inversa, numa fracção de segundo ela tinha de apagar os pés-de-galinha e as manchas, de suavizar as rugas peribucais, de esticar as rugas de expressão, como se estivesse a desfazer a acção da gravidade e da melanose solar ao longo de muitos anos ou a contemplar um rosto que se tinha submetido a um peeling súbito e a umas injecções de botox de efeito imediato. Estava ainda atordoada nesta contracção do tempo que lhe fora exigida quando o ouviu dizer que estava com muita pressa pois ainda naquele dia ia apanhar um avião para Paris. Pois que fosse! Interessava-lhe interrogá-lo sobre os dados que ele dizia coligir e sobre os resultados da análise do fenómeno a que vinha procedendo, mas aquela pressa impedia qualquer conversa proveitosa. Ele despediu-se com a promessa de um novo contacto quando voltasse de Paris, o que de facto aconteceu, mas nunca mais se encontraram.



terça-feira, 25 de outubro de 2011

4. OS CLUBES DE ENCONTROS…SEXUAIS

4.1 A redução do acaso

Naquela segunda feira de manhã, manhã de muitas decisões, algumas preparadas durante a noite, decidira telefonar ao “riviera”, nick que conhecera num site de encontros – adultfriendfinder – ao qual fora parar por acaso. Tinham-na persuadido a inscrever-se num desses sites que proliferavam na net, todos muito semelhantes em ambas as colunas: benefícios e custos. Visitara-os algumas vezes, mas sempre pensara que não apresentavam grande vantagem em relação aos chats que conhecia. A amiga que ela iniciara na net tinha-se tornado adepta do msn paquera, onde se tinha inscrito com uma bela fotografia - que fora ela a tirar - que estava a funcionar como um chamariz de sucesso para conhecer pessoas e marcar encontros. Tinha sido ultrapassada em toda a linha pela sua pupila. Esta insistia na vantagem da redução do acaso que aqueles sites proporcionavam. As pessoas forneciam dados pessoais, entre eles o relativo ao seu estado civil, escreviam o seu perfil e, muitas vezes editavam a sua fotografia. Claro que todas essas informações e a própria fotografia podiam ser falsas, mas havia sempre uma diminuição considerável da incerteza.



Continuava a considerar que o acaso representava uma das dimensões mais interessantes dos contactos e encontros via net. Mas também admitia que se se procurava um relacionamento mais sério, mais duradouro, estes sites constituíam uma plataforma de partida mais segura e eventualmente mais promissora dos que os encontros cegos, ou quase, saídos dos chats. Na verdade ainda não se tinha inscrito no msn paquera porque não tinha uma fotografia à altura. A que habitualmente mandava a alguém mais insistente no pedido de fotografia, tinha já vários anos e, embora não estivesse mal e os seus traços continuassem reconhecíveis, achava que devia ter uma fotografia que fizesse jus não só ao seu rosto, a outra também fazia, mas ao seu ar. Embora com um rosto mais gordo e mais pesado, tinha agora, pensava ela, um ar interessante e sensual que devia cativar quem a olhasse. Como não tinha a fotografia não se inscrevera no msn paquera.





Todavia, tinha-se inscrito no adultfrienfinder, sem fotografia. Embora tivesse vindo parar aqui por acaso, já que a intenção era inscrever-se no Clube da Amizade, deu-se conta que raras eram as pessoas que neste site tinham fotos e, apeteceu-lhe fazer o exercício de escrever o seu perfil. Não gostava nada da página de abertura do adult…, as fotos que lá apareciam eram quase todas de órgãos genitais, masculinos e femininos, o que não dava nenhum jeito quando se abria o site na presença de alguém. Trabalhou na escrita daquele perfil, queria um texto sucinto que a retratasse física e intelectualmente e que estivesse suficientemente perto da verdade para ela própria se reconhecer nele.


O nick riviera, fora um dos muitos que a contactaram no adult, onde o seu perfil tinha sido deveras apreciado. Tinha-se dado ao trabalho de responder a todos aqueles que se tinham debruçado sobre o texto de apresentação do seu perfil, agradecendo as palavras gentis que lhe dirigiam. Mas só denunciou o seu interesse em teclar com três pessoas. Uma delas chamou-lhe a atenção pelas considerações certeiras e bem humoradas que fizera a propósito do seu perfil, também pelo facto de escrever escorreitamente e ainda pelo nick: “Giotto”. Este devia interessar-se por arte. Adicionou-o ao seu msn e pouco tempo depois falava com o “Giotto”, agora “riviera”. Conversaram sempre pouco e nada de muito revelador. Marcaram um encontro, adiado sucessivas vezes, ora por impossibilidade, melhor, falta de vontade dela, ora por impossibilidade ou falta de vontade dele.


Naquela segunda feira de manhã tinha decidido telefonar-lhe e perguntar-lhe se queria almoçar com ela. Ele tinha sempre proposto almoço. Para essa decisão contribuíra a fotografia que ele lhe tinha enviado. Tirada em Lanzarote, como ele a informara, valia, dissera ele, sobretudo pela expressão, já que só se viam 2/3 da cara devido à interposição muito inoportuna de um camelo. Estava para lhe telefonar quando ele ficou online no msn.


Malte diz:
olá, estava à procura do teu número para te telefonar

riviera diz:
Tudo bem ..... vim ao computador por acaso! .....Toma nota: .......


Malte diz:
ok, já tomei


Malte diz:
queres almoçar?


riviera diz:
Hoje e amanhã não posso, mas fazemos o seguinte: dou-te um toque durante a semana


Malte diz:
gostei muito da tua fotografia, é pena que se visse mal o camelo lol


riviera diz:
Não sei porque pois raramente acontece eu gostar de uma foto minha !? ....... mas gostei da expressão naquela foto ! ...... acho que foi muito espontânea ! ...... deve ter sido por estar de férias ! O sacana do camelo é que escusava de se meter à frente!!


Malte diz:
fiquei com a impressão que eras alto, magro, com olhos muito bonitos e cabelo encaracolado...enfim ...muito charmoso


riviera diz:
Já estou a corar !!!!! .......mas a descrição é essa ....... olhos verdes ......


Malte diz:
digo-te isto tudo para te dizer tb, que neste momento represento um vivo contraste em relação a ti ...e talvez seja melhor veres-me daqui a algum tempo...lol


riviera diz:
Então porque ?


Malte diz:
como deves ter percebido pelo perfil sou muito frontal e queria avisar-te do seguinte: acho que sou gira, blá blá blá...mas estou GORDA...pode ser que consiga ficar mais aceitável daqui a algum tempo...lol


Malte diz:
a propósito já saí daquele site....sempre que abria a página principal...lá estavam eles...os orgãos genitais masculinos e femininos escarrapachados...passei algumas vergonhas...quando estava gente ao pé de mim


riviera diz:
Não é só o aspecto físico que conta !! .....a nossa sociedade vive um pouco "espartilhada" com esse conceito ! ........ envia-me uma foto tua por mail .......


Malte diz:
envio, mas também podes ver-me na cam


riviera diz:
Sabes que a maior parte dos contactos que estabeleci, eliminei-os, pois apercebi-me pela escrita que não interessavam !!!! ....... não tenho cam ... sorry .....


Malte diz:
ok, então envio foto e tu pões mais uns cinco anos em cima..ok?


riviera diz:
ok ! ..... no problem !! ......


Malte diz:
all right


riviera diz:
Fica então combinado ....... dou-te um toque entretanto ...... Kisses










A decisão de telefonar ao “riviera” estava de algum modo associada à roupa que vestira hoje de manhã. Não era roupa nova, nem nada que se parecesse. Com excepção dos sapatos era a roupa que tinha vestido há mais de um ano atrás, quando saíra uma manhã de casa de mão dada com o marroquino. Vestia de preto, como quase sempre, mas tinha uma camisola verde, um verde quase impossível, entre o verde mar e o verde lima, um verde que pouca gente ousaria vestir porque pouca gente saberia que aquele verde tinha de ser temperado por mais uns dois ou três pontos de verde no conjunto. E isso ela sabia-o fazer como poucas. Um anel da mesma cor, uns brincos que combinavam aquele verde com um outro tom de verde, o verde menta, e dois broches pequenos, de cerâmica vidrada, também em tons de verde, predominando o verde musgo, a que se juntava um salpico de um tom fúcsia ou cereja do Fundão, como o seu cabeleireiro chamava ao tom de algumas madeixas do seu cabelo, constituíam um conjunto que lhe ficava bem, não tão bem como no ano anterior, em que o seu estômago e as suas ancas teriam menos cinco ou sete centímetros. Nessa altura, Achmed tinha-lhe dito que ela estava muito bonita, que aquele verde surpreendente lhe ficava muito bem. Dissera-lhe isso em francês e aquela frase ainda hoje ecoava nos seus ouvidos, não por ser em francês, ou talvez também fosse, mas por vir de alguém com quem ela fizera amor, depois de 7 ou 8 anos de abstinência.


Alguém que agora parecia coleccionar homens tinha estado 7 ou 8 anos sem sexo! Se se esforçasse conseguiria saber ao certo quantos anos e meses durara a sua abstinência.


Talvez para compensar os cinco ou sete centímetros de volume a mais, tinha aperfeiçoado aquele conjunto com mais um toque, um toque subtil no calçado. Aquele conjunto ficava bem com uns sapatos verdes, nunca encontrara o tom certo. E, como em relação a muitas outras coisas, se não encontrava o que queria, tinha de o fabricar ela própria. Eram quatro e meia da manhã, estava ela na cozinha a pintar, com tinta própria para tecido, duas figuras ovais num tom semelhante ao da camisola nuns sapatos de pano cujo fundo era verde alface. Este era um tom incompatível com o outro verde, a não ser que fosse temperado por uma pitada daquela outra tonalidade, depois circundada por uns laivos de cereja do fundão e um quase nada de laranja. Ficou bem. Talvez conseguisse que os olhares, o olhar do “riviera”, se desviasse do seu estômago e descesse aos sapatos.
O poder dos sapatos verdes:
















































ahahahah                                        LOL  LOL    ..... LOL   .........                         rsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrs


terça-feira, 20 de setembro de 2011

3.2 À procura de Nuno no aeiou







Entrou naquela sala, onde estava o Nuno, com o nick aventureira e sabia que ele a ia chamar. Sabia que o nick dele não era nada invulgar, mas teve rapidamente a confirmação de que por detrás do nick estava a pessoa que ela conhecia. O “Lobo” não entrava a matar, não começava logo com alusões sexuais, o que o distinguia da maioria. Sabia que ele ia dizer que também era aventureiro, sabia o que dizer-lhe para ele sentir que encontrara uma alma gémea, e sabia que esta afinidade lhe era tão grata, que ele precisava tanto disso que rapidamente lhe iria propor que fossem para uma sala privada. Era tudo tão previsível. Na sala privada, ela insistia em falar de aventura em termos gerais, desviava a conversa do “Lobo”, dirigida a indagar a circunstância em que ela se encontrava e a avaliar as probalidades de ter uma aventura sexual, falando da experiência dos limites, dos limites mentais, da adrenalina que gostava de sentir, de como isso a fazia sentir viva. Sabia que ele não entenderia metade do que ela estava a dizer, mas seria sensível à afinidade electiva que perpassaria no seu discurso, que ele se sentiria seu semelhante. O “Lobo” propôs-lhe aquilo que ela previa: uma aventura, sem a qualificar, mas também não era preciso. E, subitamente, ficou sozinha na sala privada, “Lobo” tinha saído. Só percebeu isso passado algum tempo e ficou irritada, mesmo muito irritada. Teria ele percebido quem ela era, talvez subestimasse a inteligência de Nuno. Ou, provavelmente, o serviço reclamara a presença dele e este tivera de abandonar o chat sem mais. Entrou e saiu de várias salas e nada de “Lobo”. Irritada, enviou-lhe um sms: “ acabei de teclar contigo. Bjs”


Deixou passar algum tempo e voltou a entrar na sala dos 40-50 com um nick completamente anódino, na esperança de voltar a encontrar o “Lobo” e de assistir à conversa deste com alguém. A velocidade com que Nuno a convidara para uma aventura não a surpreendera, mas não deixara de a incomodar. Não queria conversar com o “Lobo”, queria assistir a uma conversa deste e confirmar o que previa ser o rumo da conversa, queria confirmar as suas suspeitas.

Nas sua conversas de cama, e sem que ela perguntasse nada, Nuno fazia passar a ideia de que não andava com mais ninguém, de que a última vez que tinha feito amor tinha sido com ela e vinha repetindo isso nas últimas vezes que tinha estado com ela, não sem lhe lembrar que ela até já lhe tinha dito uma vez que tinha estado com outra pessoa. Não levava nada disto muito a sério, não porque pensasse que era mentira, mas porque lhe cheirava a inverosimilhança. Nuno, para todos os efeitos, era giro, parecia muito mais novo do que a idade que tinha, às vezes não lhe daria mais de 26 ou 27 anos, trabalhava num meio que lhe parecia propício a aventuras sexuais, ainda por cima com os turnos nocturnos que fazia. E, não se esquecia, ela era gorda, obesa….

Deparou com o nick “aventureiro” em animada conversa com uma nickada “sozinha”. Aí estava um nick que ela nunca escolheria, mas que era bem possível que ele pensasse que podia ser ela. De facto era sozinha e Nuno não era dado a grandes elucubrações mentais, ser-lhe-ia difícil perceber a diferença entre a realidade e a representação da realidade. O rumo que a conversa tinha tomado, com a sozinha a dizer que o aventureiro era muito querido e que estava ansiosa por conhecê-lo, indiciava a passagem rápida a uma sala privada. O aventureiro ia dizendo que estava quase a sair do trabalho, mais um sinal de que era Nuno, que ia sair à meia noite, como nessa manhã lhe comunicara. Queria saber o nome da sala privada para onde aqueles dois iriam, mesmo sabendo que não os iria seguir, embora o pudesse fazer. Mas não faria isso, sentia algum pudor. O nome da sala apareceu em seguida: fofa. Saiu do chat. Nuno provavelmente iria ter companhia nessa noite e não seria ela. Sentiu-se de facto incomodada, não tanto pela infidelidade dele, o contrário é que constituiria uma surpresa, mas por ele ter sentido a necessidade de lhe mentir. Ela nem sequer lhe perguntara nada, porque é que ele havia de ter vindo com aquela conversa de não estar com mais ninguém a não ser ela.

Não resistiu a entrar de novo no chat aeiou e a voltar à sala dos 40-50. Ainda eram 23h e pouco, e mesmo que Nuno já tivesse a noite preenchida, aproveitaria para teclar um pouco mais.

Tinha já constatado o quanto Nuno gostava de passear pelas salas do aeiou, mais do que gostar, ele de há uns tempos para cá nunca deixava de lhe pedir para teclar um pouco quando estava na casa dela. Se, ao princípio, ela achava isso divertido e até era sua cúmplice na escolha do nick com que ele entrava e nas frases que escreviam, às vezes, os dois em conjunto, começava a aborrecer-se com a dependência que ele manifestava em relação ao teclanço. Gastava nisso imenso tempo, tempo que lhe era roubado, tempo que era roubado ao acto sexual.

Entrou na sala com um nick que o Nuno, se lá estivesse, tinha de reconhecer imediatamente e ele estava lá quase de certeza. Antes de ter entrado viu na lista dos nomes o nick gato e pressentiu que era ele. A aventureira_46 foi imediatamente obsequiada com um olá do gato e soube que era ele. Ela conhecia-o tão bem, mais do que ela própria suspeitara. Ele teclava como se não a conhecesse, fazendo as perguntas do costume, donde teclava, que idade tinha, insistindo em saber a zona onde morava. A sua irritação foi crescendo, foi-lhe fazendo perguntas ao mesmo tempo que dava as respostas por ele, denunciando que sabia quem ele era. A certa altura foi mais longe e, ainda na sala pública, escreveu a equação sem incógnita: “Lobo”=aventureiro=gato. Ele não se deu por achado e convidou-a para uma sala privada, dizendo-lhe que já tinha muito pouco tempo, mas que queria falar com ela. Pensou que ele assumisse quem era em privado. E foi.

Na sala privada, “Lobo” continuou a jogar, perguntando-lhe o que fazia, onde morava, etc., e não respondendo às suas perguntas, atreveu-se a pedir-lhe o email, e o número de telemóvel. Ela deu-lhe o email, deu-lhe o telemóvel, perguntando-lhe para que queria ele o seu número, e chamou-o pelo seu nome – Nuno. Respondeu-lhe que queria almoçar com ela, que a queria conhecer melhor. Não pode deixar de rir, almoçar com Nuno era inimaginável, aliás era inimaginável fazer com ele alguma coisa normal, com excepção de sexo. Até as conversas com ele, em sua casa, não eram normais, aliás, não havia conversa, havia monólogos interrompidos em surdina e de quando em vez por ela, com uma ou outra interjeição ou sinal de assentimento, só para ele perceber que ela ainda ali estava.

Depois do convite para o almoço, ainda lhe perguntou: “ e há coca?”, no que julgou ser uma provocação que não ia ficar sem resposta. Mas ficou, apercebeu-se de que, mais uma vez, ele a deixara sozinha na sala.

Este abandono causava-lhe um sentimento que já não se confundia com a sensação de incómodo, estava magoada e tomou a decisão de não falar mais com Nuno, rapidamente convertida em decisão de não ser ela a mandar-lhe sms . Era pouco, tinha de ser um pouco mais dura, acrescentou a esta última decisão a adenda de também não responder aos sms dele por uns tempos.






às vezes, uma chatice!
outras vezes, a possibilidade de um encontro singular...

tem dias....

quinta-feira, 7 de julho de 2011

3.1 Nuno e a mãe



Eram talvez 22h e 30m quando encontrou “Lobo”=Nuno no chat do aeiou. Tinha estado com ele na noite anterior, noite que, como quase sempre se prolongara por aquele dia. Aliás tinha estado com ele também no dia anterior a esse e na noite anterior a essa. Nunca tinha havido tão pouco tempo de intervalo nos seus encontros.

Tinha entrado na sala dos 40-50 e deu logo com o nick “Lobo”. Porque razão Nuno frequentava tanto este nível etário? Gostaria mesmo de mulheres mais velhas? A dedicação filial que mostrava em relação à sua mãe seria transferível para as mulheres mais velhas em geral, andaria à procura de “mães”? Precisaria do carinho, afeição e segurança – era isso, segurança – que as mulheres mais velhas sabem dar? Pensava que sim, até porque era isso que a sua mãe já não lhe podia dar. Com a doença de Parkinson estava cada vez mais dependente dele, era ele que se tinha transformado em tutor da sua mãe.

Uma vez tinha-lhe perguntado porque razão não procurava alguém da sua idade com quem tivesse uma relação afectiva estável, que o ajudasse a ancorar a sua vida, a libertar-se um pouco mais das drogas. Com uma prontidão esclarecedora, Nuno respondeu-lhe: “Achas que alguém me quer com a minha mãe às costas?” O que a surpreendeu foi a prontidão da resposta, como se ele já tivesse pensado nesta questão um milhar de vezes e nunca tivesse encontrado outra resposta que não fosse : “ninguém me quer”. Acrescentou ainda que enquanto a sua mãe fosse viva, ele tinha de cuidar dela e não tinha tempo para mais nada. Nuno confessou-lhe a sua indignação quando alguém lhe sugerira que a pusesse num lar.

Sempre considerara aquela dedicação filial comovente e singular num toxicodependente.

Talvez a doença da mãe fosse a “sorte” dele, amarrava-o à vida de todos os dias, obrigava-o ao cumprimento de rotinas que o impediam de outros voos mais perigosos. O tempo de Nuno era ordenado pela coordenada do seu horário profissional, por turnos, e pela coordenada da doença da mãe, o horário da sua ida quase diária à fisioterapia, o horário dos remédios, as horas a que ela costumava acordar, etc. Eram estas coordenadas que impediam que Nuno se soltasse de vez e cumprisse o destino que a vida parecera talhar-lhe.



Das primeiras vezes que estivera com ele, era imediatamente avisada de que ele não podia demorar muito, pois queria, devia, estar em casa quando a mãe acordasse, porque tinha medo que ela caísse quando fosse à casa de banho. E passava a descrever o corredor da sua casa e os incontáveis obstáculos que ela tinha de transpor para chegar sã e salva à casa de banho. No princípio ainda me atrevia a tentar alijar-lhe tal carga de preocupações, chamando-lhe a atenção para o facto de um acidente desse tipo poder ocorrer mesmo que ele estivesse em casa. Nuno não a ouvia, ou o que ela dizia era apenas um estímulo sonoro para passar a descrever o modo como o som se propagava na sua casa. Em suma, ouvia-se tudo e ele parecia estar atento a todos os sons provenientes da mãe e explicava-me, pacientemente, como o tempo que mediava entre a emissão do sinal sonoro da mãe, por exemplo, a tentativa desta para se levantar, e a recepção deste sinal por si lhe dava tempo para acorrer à mãe e ampará-la na travessia de obstáculos até à casa de banho.












Se, por volta das 5h da manhã, estavam juntos, apercebia-se de uma inquietação crescente, era a hora a que a mãe costumava acordar e atravessar o malfadado corredor. Uma vez sugerira-lhe que esvaziasse por completo o corredor, que eliminasse os obstáculos, ideia que pareceu surpreendê-lo desagradavelmente  e passou a falar-lhe dos inúmeros perigos que o próprio piso representava, era escorregadio, traiçoeiro. Resumindo, a casa de Nuno era uma armadilha completa, tudo podia ocasionar um acidente, não valia a pena mudar nada.

A representação que as pessoas podem ter das suas casas…era um tema interessante para pensar.

Ele devia estar lá sempre, mas como não podia, fazia-se acompanhar por esta obsessão, como se a sua preocupação com o bem estar da mãe o redimisse das suas ausências. A energia da coca, temperada pelo torpor em que os charros e a cerveja o colocavam, levavam a que fosse ficando, a que fizessem amor, sim amor – ele insistia em que o que faziam não era sexo, era amor – e a que, de vez em quando, se lembrasse das horas e lhe confidenciasse o terror que se apoderava dele quando pensava que podia estar a acontecer um daqueles incontáveis acidentes que constavam do seu elenco. Se às 8 h ainda estava com ela, recebia muitas vezes um telefonema da mãe e, então, aquietava-se, percebia-se a distensão dos seus músculos, o seu olhar ganhava alguma tranquilidade e, às vezes, até adormecia.

Não percebia porque passava tantas horas com Nuno até fazerem sexo, amor, segundo ele. Não percebia porque o aturava a falar ininterruptamente, a contar-lhe de forma desconexa episódios da vida dele, episódios aparentemente insignificantes, e que se atropelavam uns aos outros, torpedeando as suas tentativas infrutíferas de encontrar um sentido naquele discurso. Apercebia-se da necessidade que ele tinha de falar, apercebia-se da imensa solidão em que este vivia, de uma solidão demasiado ruidosa, como o título de uma obra de  Bohumil Hrabal, Uma Solidão Demasiado Ruidosa ( ed. Afrontamento, Porto, 1992) , que finalmente encontrava algum eco, apercebia-se de que ela representava este eco e que, como tal, ele não estava à espera que ela dissesse alguma coisa.

Ela ouvia-o pacientemente, reconhecia histórias já contadas, antecipava mentalmente as sequências de episódios que se seguiriam no discurso disruptivo de Nuno. Sabia que muito daquilo se devia às linhas de coca snifada sucessivamente. E sabia também que na origem da sua paciência estava a sua vontade de continuar a experimentar coca, de acompanhar as snifadelas dele, de misturar a coca com os charros que este tão habilidosamente fabricava, e de misturar isso tudo com o whisky que bebia liberalmente
durante toda a noite, numa vertigem que só se suspendia quando faziam sexo, amor, segundo Nuno.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

3.  O SEU TOXICODEPENDENTE DE ESTIMAÇÃO





O “Lobo” só se deixava encontrar quando queria. O seu fofinho lindo e jovem que deixou entrar em sua casa, a altas horas da madrugada, sem o conhecer de lado nenhum a não ser do chat do sapo. Não era o primeiro a entrar assim, mas já há muito tempo que isso não acontecia.

Tinha-se afeiçoado ao “Lobo”, nick de Nuno, o seu toxicodependente de estimação. Quando o conheceu pessoalmente nunca lhe passou pela cabeça que fosse drogado. Tinha uma aparência jovem, muito mais jovem até do que a sua idade real, dar-lhe-ia entre 25 e 30 anos. E era bonito, se bem que só mais tarde tivesse reparado bem na sua cara. Deve ter aparecido em sua casa por volta das 3 horas da manhã, hora a que o turno acabava. Se tivesse sido a uma segunda-feira, como mais tarde quase sempre acontecia, o fim do programa da Fátima Ferreira Alves – Prós e Contras era o sinal de que devia começar a preparar-se para o encontro, o “Lobo” aparecia cerca de uma hora mais tarde, sempre depois de lhe ter mandado um sms a perguntar se podia passar em casa dela. Era um passageiro, um passeante, nunca escrevia, por exemplo “posso ir ter contigo?”, usava sempre a palavra passar e as vezes, muito poucas, em que ficou, em que adormeceu e acordou ao lado dela, foram mais determinadas pela exaustão física, soçobrava ao cansaço e…ficava. Não era vontade de estar com ela, se bem que às vezes pensasse que ele também se estava a afeiçoar, que ela representava para ele mais do que um bom “naco de sexo”, expressão que o inefável Afonso uma vez utilizara a seu respeito.

Na segunda ou terceira vez que se encontrara com “Lobo” dera conta de que ele parecia constipado, impressão que se repetiu na vez seguinte, mas era Inverno e isso explicava o constante fungar, as frequentes assoadelas. Numa dessas vezes tinham falado em drogas e ela até lhe dissera que de vez em quando fumava um charrito, que gostava da sensação, embora pudesse passar meses e até anos sem fumar, como já lhe tinha acontecido. Confidenciou também que lhe apetecia imenso experimentar coca, mas nunca tivera oportunidade nem nunca se dispusera a arranjar. Confessou-lhe que agora, vivendo sozinha, tinha dificuldade em arranjar haxixe, ao que o “Lobo” respondeu que se ela quisesse, ele tinha facilidade em arranjar. Lá, no trabalho, disse-lhe ele, havia muita gente que fumava. Este episódio anódino foi mais tarde evocado pelo Nuno como uma prova de que ele julgava que ela já se tinha apercebido da sua dependência de drogas.

A cena das fungadelas repetiu-se na vez seguinte. Estavam sentados, como de costume no sofá branco, a ouvir música, ele tinha-se levantado para ir à casa de banho, demorou-se mais do que o costume e vinha a fungar. Quando se sentou ela reparou que a narina direita não parava de pingar e parecia um pouco inchada. De repente fez-se luz, todas as cenas dos filmes em que vira gente a snifar acorreram no mesmo instante e “desobnubilaram” a sua visão: “Lobo” snifava. Perguntou-lhe sem rodeios se aquilo a que ela chamava constipação era o efeito da coca. Manifestando alguma surpresa por ela ainda não se ter apercebido do facto, Nuno disse-lhe que sim, e que tinha ido à casa de banho snifar umas linhas. Foi nessa altura que ele lhe lembrou a noite em que tinham falado de drogas e que pensou que a conversa dela era intencional, que ela queria-lhe dizer que sabia da sua dependência. Fez menção de se levantar outra vez para ir à casa de banho e ela disse-lhe que era despropositado, que podia fazê-lo ali e que gostava de experimentar. Assistiu então ao ritual, a limpeza da superfície da mesa, por sinal de vidro negro – o que vinha mesmo a calhar como foi percebendo, o recurso ao cartão magnético para desfazer algum grânulo maior e para dividir o montinho de coca, dando origem a três ou quatro linhas alinhadas na perfeição. Procedimento seguinte: enrolar uma nota de forma a ficar com um canudo que se encostava à narina para aspirar a coca de uma linha e de uma só vez, não se devendo parar para expirar, sob pena de se espalhar a coca. Tentou ser uma aluna aplicada e à segunda linha das quatro ou cinco que nessa noite lhe couberam, mais ou menos um terço do que cabia a ele, aspirou a superfície na perfeição e inspirou tão bem que até sentiu a tal impressão na garganta de que Nuno lhe falara e que ele considerava sinal de que o acto tinha sido consumado correctamente. Lol, como se escrevia no chat para dizer riso. E ficou à espera, à espera do efeito.

A sua curiosidade, como sempre, era imensa. A expectativa enorme. Sentia-se viva como nunca quando experimentava alguma coisa nova e, neste caso, era uma coisa que ela há muito queria ter provado e estava na companhia de um expert, com o qual podia ir comentando as diversas e sucessivas sensações que fosse tendo. Quimicomaníaca.

A sua infância e até parte da sua adolescência era uma folha em branco, não se lembrava de quase nada, mas lembrava-se de assaltar assiduamente as gavetas em busca de medicamentos que tomava para sentir o efeito e lembrava-se de como aguardava ansiosamente esse efeito, atenta a qualquer sinal do seu organismo. Refinava essas experiências, lendo as bulas e concentrando a sua atenção nos efeitos nelas mencionados. Ao sábado de manhã, quando os seus pais iam às compras e geralmente se demoravam mais, refugiava-se no seu quarto e ingeria um, dois…ou mais comprimidos, e aguardava em silêncio o que ia acontecer. Conseguia desligar-se do exterior, parecia que o seu corpo era o único objecto ali existente e tentava submergir nele, ouvia as batidas do coração, palpava o pulso, suspendia a respiração muitas vezes para amplificar, assim lhe parecia, os sons do funcionamento do organismo. Entrava dentro do seu corpo, seguia o rasto do seu sangue nas veias, seguia as golfadas de ar que, de vez em quando, se permitia inspirar, ouvia os murmúrios dos seus órgãos, escutava o batimento do seu ser. E, quase sempre, ficava decepcionada. Os efeitos, anunciados nas bulas, não se manifestavam. O insucesso não a fazia parar, como ainda agora não a faz parar.

Da sua primeira experiência com coca não reza nada a história. Esperava energia, acréscimo de lucidez, velocidade mental, perda de apetite…o que lhe daria imenso jeito, seria mesmo dos efeitos mais desejados…e nada. Ainda brincou com o Nuno, dizendo-lhe que talvez tivesse inalado farinha e não coca, que se calhar ele tinha sido aldrabado, mas olhando-o percebia-se bem que ele não tinha snifado farinha.


sexta-feira, 27 de maio de 2011

2.4  E gorda…



Mais um a chamar-lhe gorda. O Luís, pau de virar tripas, um certo ar distinto que advinha dos seus olhos azul-acinzentados, do seu cabelo aloirado, e do seu ar macilento, distinção seriamente posta em causa pela sua maneira de vestir, não descuidada mas cuidada com a roupa dos chineses, atrevera-se a perguntar-lhe se ela não queria fazer nada para emagrecer. Acrescentara rapidamente que, como ela sabia, ele não se importava com isso. Esta reparação tinha sido tardia, o golpezito já fora desferido.



Em vez de se insinuar levando-o a desejá-la e a propor-lhe que se encontrassem - estratégia que dominava cada vez melhor, embora não fosse igualmente bem sucedida com todos os peões, é certo, cortara rapidamente a conversa, dizendo que tinha de trabalhar alguma coisa. A sua intenção ao teclar com o Luís nessa tarde era instalar-lhe o desejo de si, não com o propósito deliberado de irem para a cama ao fim da tarde, mas tão só para assistir ao aumento do desejo, para pressentir o crescimento do pénis, o que a reconfortava sempre e a punha num estado de espírito a que chamava a sua doce melancolia.

Tinha teclado três ou quatro vezes com o Luís, nunca muito tempo. Havia nele alguma coisa de sonolento e vegetal que a interessara. Tinha percebido logo que ele era uma presa fácil, mal casado, mal instalado numa vida de medo, mas antes essa do que nenhuma. Era assim que o Luís devia pensar quando se dava a esse trabalho. A pena que tinha de si próprio era tanta que lhe dava para justificar uma ou outra escapadela, mas sabia-se incapaz de lidar com a vida sozinho, sem a âncora de um lar que definisse o seu papel, mesmo que este fosse o de obrigatoriamente levar o pão para casa, comprado ao final da tarde na mercearia ao pé de sua casa. Tinha saído uma vez de casa, contara-lhe. Devia ter sido o primeiro e último acto de heroísmo que o Luís fizera em toda a sua vida.
A primeira vez que fizeram sexo fora de manhã, deviam ser umas sete e pouco da manhã, antes de irem para o trabalho. Esta altura do dia excitara-a, ser acordada para fazer sexo por alguém que vinha de fora, que não passara a noite com ela, era um começo de dia invulgar e…auspicioso. Tinha estado outra vez com ele, ao fim da tarde, sem grande vontade, mas a performance dos dois tinha sido bastante boa, o suficiente para ela saber que ele a quereria mais vezes. E isto bastava, induzia o tal estado de espírito de doce melancolia de que precisava para se suportar, efeito que antes era da responsabilidade de um comprimido de fluoxetina combinado com um victan. Não sabia se haveria terceira vez, o Luís teria de insistir muito, fazer-lhe sentir o desejo dele, pedir-lhe, implorar-lhe, como fazia o professor de educação física em relação aos seus broches.
 Mas o Luís era demasiado tímido para ser explícito quanto ao seu desejo, nunca seria capaz de implorar.